Inteligência Artificial na Educação

O futuro chegou. Em meio à fascinação e receio do desconhecido, uma Inteligência Artificial ainda mais criativa, ousada – e, aparentemente, ilimitada – tem sido tema de estudos, discussões e embates. No dia 7 de julho de 2023, no painel The AI for Good Global Summit, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), robôs humanoides disseram ter potencial para liderar com maior eficiência e eficácia que humanos, mas reiteraram que o trabalho em conjunto é ainda mais forte: “A Inteligência Artificial pode fornecer dados imparciais, enquanto os humanos oferecem a inteligência emocional e a criatividade”, disse Sophia, um dos robôs. Essa união, segundo especialistas entrevistados pela Revista Poli, parece ser a única forma de lidar com a concretude de avanços tecnológicos como os chatbots [ferramentas de computador que simulam conversas com usuários humanos], especialmente quando se pensa nas possibilidades de ensino-aprendizagem no âmbito da Educação.
Inteligência Artificial: qual a novidade?
Inteligência Artificial (IA) é uma tecnologia com capacidade de raciocinar, aprender e agir de forma independente. E, embora o assunto tenha aparecido com mais frequência na mídia no último ano, não é algo novo. O pesquisador da área de Educação com ênfase em Inteligência Artificial nas Linguagens e na Educação, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Paulo Roberto Boa Sorte Silva, explica que a IA oferece às máquinas e aos computadores a possibilidade de imitar os recursos que temos na mente humana para, de forma mais rápida e até instantânea, solucionar problemas, estabelecer relações, tomar decisões, fazer resumos, traduções e outras inúmeras possibilidades. O professor conta que, em 2015, 16 grandes empresas de tecnologia e mídias, como o Twitter, IBM, Amazon e Microsoft adquiriram empresas focadas em inteligência artificial. “Mas, antes disso, já tínhamos o Waze, por exemplo, para traçar itinerário com GPS nos nossos smartphones e circularmos pelas cidades. E a IA também está presente quando, por exemplo, pedimos um Uber por aplicativo, quando fazemos pesquisa no Google e logo depois recebemos sugestões de filmes na Netflix sobre essa pesquisa, recebemos sugestões de música no Spotify e de anúncio no Instagram”, diz. Outro ponto destacado pelo pesquisador é que a Inteligência Artificial não se refere só à computação e à matemática. Existem contribuições relevantes de outras áreas, como economia, neurociência, psicologia, linguística, engenharia elétrica e filosofia. Por isso, é vista como um campo interdisciplinar.
O professor do Departamento de Informática Aplicada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Mariano Pimentel, explica que a Inteligência Artificial é a continuação desse propósito de automatizar. E que ela está no Brasil desde seus primórdios. “É claro que nós vimos um grande salto da inteligência artificial na década passada com a técnica de deep learning [uma forma de aprendizado de máquina que permite aos computadores “aprender” de forma semelhante ao cérebro humano]. Hoje, falamos até em deep fake [uso da IA para mudar rostos, simular movimentos labiais e expressões, entre outras possibilidades]. Estamos em uma encruzilhada”, alerta o professor. Outra forma de IA que tem sido falada recentemente é o machine learning, tecnologia que permite aos computadores irem aprendendo, a partir de dados ou padrões, e utilizarem esse conhecimento para fazer previsões ou tomar decisões.
Assim como Paulo, Mariano também relembra ferramentas de IA que já faziam parte do cotidiano de pessoas que acessam às redes. “Nós já tínhamos os algoritmos inteligentes, por exemplo, quando se mandava uma foto para o Facebook e ele identificava quem eram os amigos que estavam na foto. Ou na década de 1990, por exemplo, quando eu escaneava uma página de texto e ela convertia em texto manipulável pelo computador. A IA não é algo que ‘chegou’ aqui, ela está aqui. Não está batendo à nossa porta com o lançamento do ChatGPT ou Google Bard, ou com qualquer outra coisa desse tipo. Inclusive, o Google é um outro bom exemplo de inteligência artificial. Há quantos anos o mecanismo de recomendação está no Brasil e a gente usa?”, questiona.
Mais conhecido atualmente, o ChatGPT, desenvolvido pela empresa OpenAI, foi lançado em 2022, e é capaz de produzir textos, traduzir idiomas, além de gerar conteúdos criativos, a partir de perguntas feitas pelos usuários. Já o Google Bard, lançado no Brasil em 13 de julho de 2023, três meses após seu lançamento nos Estados Unidos e Reino Unido, traz consigo funcionalidades semelhantes, mas, segundo o próprio site, enquanto o ChatGPT é melhor em gerar textos criativos, o Bard é melhor em responder a perguntas de maneira informativa, visto que, além de ser treinado com dados de texto e código, utiliza também como dados as respostas de pesquisa do Google. Apesar das funcionalidades, há outros pontos a serem levados em conta. O ChatGPT, por exemplo, que já está em sua quarta versão, oferece acesso gratuito somente até sua terceira versão, que recebeu atualizações até setembro de 2021. Além disso, por utilizarem dados com informações oriundas da internet e não possuírem capacidade de discernimento, os chatbots podem gerar respostas imprecisas, conteúdos falsos, entre outros graves problemas.
Para a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que integra o Grupo de Pesquisa Interdisciplinar Linguagem, Sociedade e Saúde (Liss), Carolina Dantas, é importante pensar o que se entende por tecnologia. Ela cita o verbete ‘tecnologia’ no Dicionário da Educação Profissional em Saúde (EPSJV, 2008), escrito por Gaudêncio Frigotto, que diz que não há como compreender a tecnologia sem entendê-la como uma prática inserida no contexto econômico, político, social, cultural, educacional, definida a partir de relações de poder e relações de classe. “A tecnologia não está descolada disso, muito pelo contrário. Então, a gente tem que se perguntar quais são as condições de produção dos chatbots, já que, como qualquer tecnologia, podem ser usados para libertar ou para oprimir, para aprofundar desigualdades ou para combatê-las”, afirma. A também professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz e integrante do Liss, Viviane Soares, complementa que é preciso entender o modo como a sociedade acolhe essas ferramentas e as incorpora em suas práticas para que se possa enfrentar o desafio de não “cultuar as maravilhas tecnológicas”. “Esse funcionamento pode estar a serviço da manutenção do racismo, por exemplo, quando pensamos em prisões feitas exclusivamente através de reconhecimento facial a partir de um banco de dados que inclui pessoas negras que nunca tiveram passagem pela polícia”, reflete.